Aurora
A casa estava diferente.
Não havia música nos corredores, não havia o murmúrio baixo dos criados entre os quartos, nem mesmo o sussurrar das janelas sendo abertas nas manhãs.
Mas eu sentia.
Sentia no ar.
Na madeira rangendo.
Na forma como todos me olhavam… e depois desviavam.
Era como estar sentada sobre o centro de um vulcão, ouvindo o borbulhar sob a terra, sem saber quando a explosão viria.
E no meio disso tudo… ele.
Elías Navarro.
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Depois do pacto, eu esperava que ele relaxasse. Que recuasse. Que me deixasse respirar.
Mas ele não recuou.
Não avançou.
Ele estagnou como fera em jaula, olhando, esperando. Segurando algo que estava crescendo dentro dele e que ele se negava a soltar.
Começou com os olhos.
Antes, ele me olhava com cálculo. Agora, ele me examinava como se estudasse minha pele.
Depois, vieram os gestos.
As mãos mais firmes nos apoios da cadeira. O tronco mais ereto. A mandíbula sempre tensa.
E então, a presença.
Quando ele estava no cômodo, era como se o ar ficasse mais denso. Como se até o chão sentisse que ele estava diferente. Mais... inteiro.
E eu?
Eu tentei ignorar.
Mas a cada noite que passava, a cada refeição que dividíamos em silêncio, eu sentia algo rastejar sob minha pele. Algo que não era medo.
Era antecipação.
Era desejo.
Era o pânico de querer algo que eu não deveria.
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Na terceira noite, jantamos sozinhos no salão pequeno, o que ele chamava de “sala da privacidade”. A luz era baixa. Os talheres, de prata envelhecida. Os pratos fumegavam, mas nenhum de nós tocou na comida.
E então ele falou:
— Você está inquieta.
Engoli em seco.
— E você... está diferente.
Ele não sorriu. Mas os olhos brilharam.
— Talvez eu esteja.
Talvez... eu esteja voltando a ser quem eu era.
— Antes da cadeira?
— Antes de tudo.
Eu o encarei.
— E quem você era, Elías?
Ele se inclinou ligeiramente para frente.
E sussurrou:
— O tipo de homem que não precisava pedir.
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Meu corpo gelou.
Não pelo medo. Mas porque aquela frase atravessou minha espinha com força.
E porque, naquele instante, eu pensei em como seria se ele me pegasse ali mesmo.
Se empurrasse o prato de lado, tomasse minha cintura e me levasse ao chão.
E o pior?
Parte de mim não quis fugir da ideia.
Saí dali apressada. Entrei no quarto e tranquei a porta.
Mas o desejo já estava dentro de mim.
Circulando no sangue.
Queimando sob a pele.
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Na madrugada, sonhei com ele.
Mas não era o Elías frio. Era outro. De pé.
No sonho, ele me encostava na parede. Não dizia nada. Só olhava.
E então me beijava com força.
Segurava meu rosto.
Invadia minha boca.
E eu… correspondia.
Acordei arfando.
Com os lençóis grudados entre as pernas.
O corpo quente, pulsando.
Eu queria me odiar por aquilo.
Mas tudo que consegui fazer foi encostar a cabeça no travesseiro e repetir para mim mesma:
"Ele ainda está na cadeira. Ele ainda está preso."
Mas no fundo…
eu sabia.
Isso estava prestes a acabar.
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Na manhã seguinte, ele não apareceu no café. Carmen trouxe o desjejum em silêncio, com o rosto fechado.
— Onde ele está? — perguntei.
— Em silêncio.
— Isso não é resposta.
Ela pousou a bandeja, me olhou nos olhos e disse:
— Ele está... se preparando.
— Se preparando pra quê?
— Pra se levantar.
Fiquei em silêncio por vários segundos.
— Isso é real?
Ela assentiu, com um brilho quase assustado no olhar.
— Ele vai voltar, Aurora. E quando voltar... você vai precisar decidir quem você quer ser ao lado dele.
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O restante do dia passou lento, como se o tempo me testasse.
Não consegui ler.
Não consegui descansar.
Não consegui pensar em outra coisa que não fosse: e se ele se levantar? E se ele me quiser de verdade? E se eu… quiser também?
Porque havia uma parte de mim, uma parte que se escondia no escuro, que desejava o toque dele.
Não pela obrigação.
Mas pela intensidade.
Pelo que se escondia por trás daquele olhar.
E eu odiava essa parte.
Mas não conseguia sufocá-la.
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Naquela noite, antes de dormir, encarei o espelho por longos minutos.
Toquei meu pescoço.
Minha clavícula.
A curva dos meus lábios.
E imaginei o toque dele ali.
Me tremi sozinha.
Porque, pela primeira vez…
o medo que eu sentia não era de ser tocada.
Era de querer ser.
E de não conseguir mais negar.
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