Elías Navarro
O hospital parecia ainda mais silencioso naquela manhã. Meus seguranças me deixaram na entrada lateral, como sempre. Mas hoje, pela primeira vez em muito tempo, eu pedi que não me empurrassem.
Eu mesmo me movi até o elevador, até o andar de fisioterapia, até a sala do doutor Salazar.
Havia uma tensão diferente no ar.
Como se todos soubessem.
Como se até as paredes segurassem o fôlego.
O médico me esperava já de pé, com o jaleco branco e os exames nas mãos. Seu olhar estava mais direto, menos cauteloso. Ele sabia que não podia usar eufemismos comigo.
— Bom dia, senhor Navarro. — disse, fechando a porta com cuidado. — Temos bons resultados. A ressonância mostra um nível excelente de resposta muscular. A inflamação praticamente desapareceu, e os testes de reflexo foram... positivos.
— Traduza. — murmurei, impaciente.
— Você pode tentar andar com auxílio.
Minha respiração travou por um segundo.
Mas não deixei transparecer.
— Com muletas?
— Sim. Trouxemos um par próprio para seu apoio de peso total. Podemos testar agora, se estiver disposto.
— Estou sempre disposto.
---
A equipe se aproximou com as muletas ajustadas à minha altura.
Salazar estendeu a mão, mas eu recusei ajuda.
Com esforço, me posicionei à beira da maca.
Apoiei os braços nas muletas.
O coração batia alto no peito.
As pernas ainda formigavam.
Mas quando forcei o impulso...
me levantei.
Mais firme que da última vez.
Mais certo.
Mais inteiro.
— Vá devagar. Um passo por vez. — orientou o médico.
Dei o primeiro passo.
O pé tocou o chão como se ele nunca tivesse esquecido o caminho.
A perna tremeu, mas não cedeu.
Depois o segundo.
E o terceiro.
Comecei a andar de um lado ao outro da sala.
Os olhos dos enfermeiros acompanhavam em silêncio.
Salazar me seguia com o olhar atento, anotando mentalmente cada movimento.
— Está indo muito bem... melhor do que eu esperava — disse ele. — O equilíbrio está excelente. Força no quadríceps reativada. Estabilidade quase total.
— Quase? — rosnei.
Ele hesitou.
— Quero que tente algo. Tire uma muleta. Só uma.
Vamos ver como o corpo reage com apoio parcial.
Assenti.
Soltei o apoio esquerdo.
O peso desequilibrou, mas o corpo segurou.
Mais um passo.
Dois.
A dor começou a queimar do joelho até o quadril. Mas era suportável.
— E agora... — disse Salazar, firme. — Solte a outra.
— Tem certeza?
— Você é o tipo de homem que prefere morrer do que esperar. Então vamos descobrir de uma vez por todas.
Soltei.
Fiquei ali. Em pé. Sem apoio.
Sem muletas.
Sem ajuda.
Só eu... e minhas pernas.
O chão não se moveu.
O mundo não caiu.
Eu estava de pé.
E quando comecei a caminhar... mesmo com dor… mesmo devagar...
eu andei.
---
O silêncio na sala virou reverência.
O médico se aproximou, com um leve sorriso.
— Com o uso de anti-inflamatórios específicos e um relaxante muscular leve, você poderá manter a caminhada normalmente. Com moderação. Evite longas distâncias nos primeiros dias. Mas sim... você pode voltar a andar, Navarro.
Ele me estendeu um papel.
— A receita. Duas vezes ao dia. E eu quero que use o gelo após o esforço, combinado?
Assenti, pegando o papel.
Mas meus olhos não estavam mais no médico.
Estavam no futuro.
No caminho de volta para ela.
Aurora.
A mulher que ainda me olhava como um homem ferido.
Que talvez me desejasse, mas ainda via a cadeira como símbolo do que me faltava.
Agora…
não falta mais nada.
A próxima vez que eu encostar na porta do quarto dela,
não vai ser sentado.
Vai ser como deve ser.
Como homem.
Como Don.
Como marido.
E dessa vez...
ela vai me ver inteiro.
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