Elías Navarro
A sala dos conselheiros não cheirava a medo. Cheirava a pedra antiga, a sangue seco, a um tempo em que a honra não vinha de palavras, e sim de atos. Ali dentro, os homens mais velhos da máfia mexicana ditavam as regras que nem o mundo moderno ousava contestar.
Meu pacto com Aurora havia sido selado no sangue.
Mas para eles… ainda faltava o corpo.
E, naquela manhã, eu fui chamado para dar satisfações.
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— O sangue foi derramado. — comecei, direto, encarando os sete homens sentados em torno da mesa redonda. — O nome dela está no livro. A cerimônia foi testemunhada por todos os meus homens. A partir daquele momento, Aurora me pertence. E está sob minha proteção.
Don Aurelio, o mais rígido do grupo, pigarreou antes de falar.
— Está sob sua proteção sim, Navarro. Mas você sabe tão bem quanto nós que o sangue é o primeiro selo. Não o último.
Don Horácio, ao seu lado, completou com frieza:
— E sem a prova da virgindade, sem a consumação da união, o casamento pode ser questionado diante das Tradições Mayores.
Meu maxilar travou.
— Estão me pedindo que exponha minha esposa?
— Estamos pedindo que respeite o rito completo, como manda a tradição — respondeu Aurelio. — Se ela era virgem no momento do pacto, é necessário um lençol branco. A marca de sangue. O testemunho.
— E se ela não for? — perguntei, provocando. — Se foi tirada de mim antes de ser entregue?
O silêncio pesou.
— Então o pacto será considerado nulo — disse Horácio. — Você sabe disso.
— Estou numa cadeira de rodas, senhores — falei devagar, olhando cada um nos olhos. — Estão duvidando da minha capacidade de cumprir minha função como homem?
— Não duvidamos da sua posição como Don — disse Aurelio. — Mas a sua condição física levanta questionamentos. O livro exige sangue… e carne. Os anciãos esperam o rito completo.
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Respirei fundo. Eles não estavam errados.
Mas isso não diminuía a vergonha velada naquelas palavras.
Eles estavam me cobrando como se eu fosse… incompleto.
— Quero ver algum de vocês levantar um império como o meu, sem precisar de pernas — disparei.
Aurelio não recuou.
— E quero ver você manter esse império sem respeitar as leis que o criaram.
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Era um jogo de poder.
Eles sabiam que não poderiam me derrubar sem motivo, mas também sabiam que sem a consumação, eu seria vulnerável a qualquer acusação. Mesmo meus aliados poderiam recuar. Meus inimigos poderiam se levantar.
— O que desejam exatamente? Um relatório médico? Um lençol banhado em sangue? Uma mulher sangrando diante de todos?
— Queremos o sinal da tradição, Navarro. Como todos que vieram antes de você. Uma marca. Um objeto. Algo que prove que a jovem Aurora foi, de fato, tomada como esposa.
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Me calei.
Eles não queriam sexo.
Queriam prova de poder.
Queriam a confirmação de que, mesmo em uma cadeira, eu ainda era homem o suficiente para possuir o que era meu.
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— Vocês terão a prova — falei enfim. — Ela será entregue em breve. Mas que fique claro: não preciso levantar da cadeira para marcar uma mulher como minha.
— O conselho aguarda até a próxima lua cheia — disse Aurelio, levantando-se. — Se a prova não vier… o livro será rasgado. E o pacto, esquecido.
Me levantei com as rodas da cadeira. Frio. Imóvel por fora.
Mas por dentro… o orgulho ferido sangrava.
Porque agora, eu teria que tocar Aurora.
Não por desejo.
Mas por dever.
E eu não sabia se ela suportaria isso.
Nem se eu suportaria ver o medo nos olhos dela…
quando a carne tivesse que acompanhar o sangue.
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