Aurora
Tudo começou com um vestido vermelho.
Justo, curto demais. Um tecido barato tentando parecer luxo. Minha mãe ajeitou a alça caída com dedos trêmulos, enquanto meu pai bebia o quarto copo de uísque, evitando meu olhar como se eu já não fosse mais filha. Como se eu fosse só a moeda suja que eles precisavam para saldar suas dívidas.
— Sorria, querida — ela disse. — Você precisa parecer... desejável.
Desejável. Como se fosse isso que importasse. Como se meu corpo valesse mais do que minha alma dilacerada.
O salão estava cheio de homens que fedoravam a poder e podridão. Eu ouvia as risadas baixas, os cochichos sobre "o novo lote" e os olhos... Deus, os olhos. Cada olhar me despiu mais do que o vestido ridículo que vestia.
Meu coração batia tão rápido que achei que fosse desmaiar ali mesmo.
Mas eu não podia.
Porque ali, naquele palco dourado e sujo, eu seria leiloada como um pedaço de carne fresca.
— Lote 11. Dezoito anos. Virgem. — A voz do apresentador soou como uma sentença de morte.
A luz estourou no meu rosto. Eu levantei o queixo. Se era pra cair, que fosse com dignidade. Meu pai estava lá embaixo. Não teve coragem de olhar.
A primeira oferta veio de um homem gordo, de terno branco e dedos engordurados segurando um charuto. Depois outro. E mais outro.
Até que...
— Um milhão de euros. — Uma voz grave, gutural. Um velho. Careca, de óculos escuros e sorriso asqueroso. — Pago à vista.
Ninguém superou.
Eu fui vendida.
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A viagem começou em silêncio. Um carro preto. Vidros escuros. Dois seguranças armados. Eu no banco de trás, entre eles, com os pulsos marcados de tanto apertarem minha pele.
O velho nojento, que se apresentou como Sr. Paolo, me observava como se eu fosse um brinquedo novo.
— Vai gostar do meu clube, boneca. — Ele riu. — Vai aprender a dar prazer como ninguém.
Eu pensei em gritar. Em me jogar do carro. Em morrer.
E então… o destino sorriu.
Um dos pneus estourou. O carro derrapou. O motorista perdeu o controle. E eu vi minha chance. Eles estavam distraídos, gritando, tentando estabilizar. Eu empurrei a porta e corri. Com tudo que tinha.
A noite era fria. O mato alto cortava minhas pernas.
Ouvi os gritos atrás de mim:
— Pega ela! —
— Maldita v***a! —
— Atira, p***a!
Mas eu corri. Até meus pés sangrarem. Até o mundo girar. Até...
Nada.
Porque eu tropecei. Meu corpo bateu contra uma pedra. Minha cabeça explodiu em dor. E tudo se apagou.
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O escuro durou uma eternidade.
Mas quando voltei, percebi que ainda estava viva.
Acordei em um quarto enorme, com cortinas vermelhas pesadas, lençóis finos, o cheiro de sândalo no ar e... silêncio. Meus braços estavam cobertos por ataduras. Um curativo na testa latejava. Minhas pernas doíam. E eu m*l conseguia me mexer.
— Ela acordou — ouvi uma voz feminina sussurrar. — Vou chamar Ele.
"Ele"? Quem?
Antes que eu pudesse perguntar qualquer coisa, a porta se abriu.
E pela primeira vez, eu vi os olhos que me observaram durante todos aqueles dias de inconsciência.
Castanhos escuros. Penetrantes. Gélidos.
O homem na cadeira de rodas não parecia frágil, apesar da condição. Ele exalava poder. A camisa branca estava impecável, os braços cobertos por tatuagens, o cabelo bem cortado, a mandíbula rígida. Havia algo de... perigoso nele. Algo que me fez esquecer da dor.
Ele não falou nada. Só me olhou.
Como se já fosse dono de mim.
— Quem... quem é você? — minha voz saiu fraca, trêmula.
Ele não respondeu de imediato. Aproximou-se com calma, parando ao lado da cama. Seu olhar percorreu meu rosto como se gravasse cada detalhe.
— Você não deveria estar viva. — Ele murmurou, como quem comenta o tempo. — Mas o destino... gosta de brincar com monstros.
Engoli seco.
— Me deixe ir. Por favor.
Ele riu. Baixo. Sádico.
— Depois de tudo que causou? Você caiu no território errado, nena. Agora você é minha responsabilidade. E eu... não sou bom em deixar ir.
— Eu não sou nada sua!
Ele inclinou a cabeça, com a calma de quem está acostumado a controlar tudo — e todos.
— Ainda não. Mas será.
Meu coração disparou. A cabeça latejava. Eu não sabia o nome dele. Não sabia onde estava. Mas uma coisa era clara:
Eu troquei um inferno por outro.
E esse... parecia ainda mais escuro.
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