Elías Navarro
A mesa estava silenciosa demais.
Nem o tilintar da taça de vinho que levantei com a mão esquerda conseguiu suavizar a rigidez do ar.
Estávamos sozinhos, apenas eu e Aurora, diante de uma refeição que Carmen preparou com esmero.
Frango grelhado em crosta de ervas. Arroz com amêndoas tostadas. Legumes salteados em azeite trufado.
Ela pensava que os detalhes tornariam a noite menos dura.
Mas não existe suavidade possível quando você precisa quebrar uma mulher para protegê-la.
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Aurora mexia a comida no prato, o garfo raspando o fundo da porcelana.
Ela estava desconfortável. Mas não pelo jantar.
Era eu.
Era o modo como eu a observava.
Era o silêncio que pairava como uma lâmina prestes a cair.
Era o tempo que acabava.
Eu não conseguia parar de encará-la.
Tão jovem, tão quieta, tão cheia de raiva contida.
Tão... involuntariamente orgulhosa.
Desde o primeiro dia, Aurora tentava me desafiar com o olhar. Mas agora... havia algo diferente.
Um medo real.
Um reconhecimento.
Ela sabia o que estava vindo.
E eu...
Eu odiei ser o homem que teria que dizer isso.
Mas não há espaço para compaixão na máfia.
Não quando há conselheiros exigindo lençóis manchados.
Não quando há um homem chamado Dante à espreita, esperando qualquer falha para nos destruir.
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Bebi um gole do vinho. A madeira e o tanino queimaram na língua.
Eu precisava desse calor.
— Coma — falei, sem alterar o tom.
Ela olhou para mim como se fosse a primeira vez que realmente me visse naquela noite. Depois, baixou o olhar e levou o garfo à boca.
A mastigação era automática.
Não por fome, mas por obediência.
Ela estava esperando que eu falasse.
Esperando que eu confirmasse.
E eu confirmei.
— Hoje à noite — comecei, repousando os talheres — vamos cumprir o que falta no nosso pacto.
Aurora travou.
O braço parou no ar, o garfo ainda a meio caminho.
Piscou algumas vezes antes de erguer os olhos de novo.
— O que falta? — perguntou, sabendo exatamente a resposta.
— O que você sabe que falta. — Me inclinei levemente. — Vamos consumar o casamento.
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Ela soltou o garfo.
O tilintar do metal contra o prato soou como um disparo abafado entre nós.
— Eu… eu não quero.
A voz dela saiu fraca, mas firme.
Me mantive calmo. Controlado.
— Não se trata mais do que você quer.
— Como assim não?! — ela elevou o tom, surpresa por eu não estar fingindo sutileza.
— Trata-se do que é necessário.
— Você disse que não faria isso assim. Que me respeitaria. Que...
— Eu disse que respeitaria seu espaço. E respeitei.
Me levantei da cadeira devagar.
— Mas o mundo lá fora não respeita nada, Aurora.
E agora... ele exige provas.
Ela se levantou também, recuando um passo.
— Você quer me obrigar a dormir com você? Isso é isso? É isso que a máfia espera?
— O que a máfia espera — falei, cruzando os braços — é que um Don cumpra sua palavra.
É que um pacto selado em sangue seja selado também no corpo.
— Isso é primitivo!
— Isso é poder.
E eu não estou no luxo de perder o meu agora.
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Ela virou de costas, andou até a janela.
O peito subia e descia com força.
— Você não precisa disso. Podemos mentir, podemos... — Ela parou. — Podemos fingir.
— E quando os velhos exigirem ver os lençóis? Quando quiserem testemunhas da marca? Quando Dante aparecer com sangue nos olhos dizendo que o casamento foi uma fraude?
Ela se calou.
— Ele está se mexendo — continuei. — Mandou reforçar a vigilância. Quer saber onde estou. O que faço. E se não enxergarem firmeza entre nós, vão dizer que ele tem razão.
— Então me mate.
— O quê?
Ela girou para mim com os olhos cheios.
— Me mate e diga que eu resisti. Que eu me recusei a aceitar o pacto e você me matou por traição. Isso resolve o problema.
— Você acha que é tão fácil assim?
— É melhor do que isso.
Aproximei-me dela em três passos.
— Escuta com atenção, Aurora. Eu não quero te machucar. Mas você não está entendendo o jogo em que foi colocada.
Você carrega meu nome. Minha assinatura. O meu sangue.
E por mais que isso pese… isso também te protege.
Ela cerrou os punhos.
— Então por que não basta isso?
— Porque se eu não te tomar como minha esposa de verdade... não posso garantir que alguém mais não vai tentar.
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O silêncio entre nós era sufocante.
— E você não tem medo de se arrepender?
— Não.
— E se eu gritar?
— Ninguém vai ouvir.
— E se eu fugir?
Sorri.
Um sorriso frio.
— Você não quer fugir de mim, Aurora.
Você quer fugir de si mesma.
Ela estremeceu.
— Vá para o seu quarto. — falei, voltando o tom para o comando.
— Não.
— Suba.
— Não.
Aproximei-me de novo. Fiquei a centímetros dela.
— Carmen deixou uma camisola de seda sobre a sua cama.
Vista.
E esteja pronta.
— Elías…
— Em vinte minutos, eu estarei lá.
E dessa vez... não vou sair até que o pacto esteja completo.
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Ela ficou paralisada.
Seus olhos me imploravam por algo que nem ela sabia dizer.
Mas eu já tinha tomado minha decisão.
Passei por ela.
Abri a porta.
Antes de sair, falei:
— Você tem esse tempo para entender…
que essa é a única forma de eu te manter viva.
E então, fechei a porta atrás de mim.
Sabendo que, quando abrisse de novo…
nada entre nós seria como antes.
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