Aurora
O som dos tambores preenchia cada canto da mansão como um coração batendo lento e pesado. Cada batida era uma contagem regressiva. Cada sopro de vela nas paredes parecia me lembrar que a partir dali, não havia mais volta.
O salão principal estava completamente transformado. As luzes comuns tinham sido substituídas por tochas altas. O chão de mármore fora coberto por um tapete de tecido escarlate, bordado com símbolos antigos que eu não entendia, mas sentia pulsarem sob meus pés.
No centro da sala, havia uma mesa de madeira escura.
E sobre ela… um livro enorme, encapado em couro envelhecido, com marcas de mãos e gotas secas de sangue nas bordas.
Ao lado dele, repousava a adaga.
Fina. Longa. De prata fosca.
O cabo esculpido com dois corvos entrelaçados.
Era a mesma que Elías carregava no colo quando me esperou na porta.
Agora, ele estava lá.
Na cabeceira da mesa.
Rodeado por seus homens.
Todos de preto. Todos em silêncio.
Quando entrei, os olhos se voltaram para mim.
Mas ninguém disse uma palavra.
Nenhum aplauso. Nenhum sorriso.
Ali, casamento não era alegria.
Era pacto. Era guerra. Era proteção.
Carmen me guiou até Elías.
Ele estendeu a mão.
E, com os dedos firmes, segurou os meus.
— Está pronta? — ele perguntou, a voz baixa.
Minha garganta estava seca. Meu coração, um animal selvagem preso nas costelas.
Mas eu assenti.
Porque mesmo sem estar pronta, eu tinha que estar.
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Um homem alto, de rosto severo, se aproximou da mesa. Era o sacerdote da máfia. Um velho que eu nunca tinha visto, mas que todos respeitavam com um silêncio reverente.
Ele abriu o livro lentamente. As páginas eram grossas, amareladas. Havia nomes escritos a mão. Nomes de mulheres. Datas. Locais. Sangue carimbado sobre cada uma.
A última página estava em branco.
Ele posicionou a adaga sobre um pano branco e olhou para Elías.
— Estenda a mão esquerda.
Elías o fez sem hesitar.
O sacerdote ergueu a adaga.
Fez um corte limpo, profundo, na palma.
O sangue brotou quente e escuro.
Um dos homens estendeu uma pequena taça de prata.
O sacerdote segurou a mão de Elías e deixou o sangue escorrer dentro da taça.
Depois, se virou para mim.
— Você sabe o que isso significa, menina?
— Que estou me unindo a ele — respondi, tentando manter a voz firme.
— Para sempre.
— Eu sei.
— E que jamais poderá pertencer a outro homem.
— Nem quero.
Ele assentiu.
— Estenda sua mão.
---
Minhas mãos tremiam. Por um segundo, hesitei.
Mas Elías me encarava.
E naquele olhar... não havia crueldade.
Havia espera.
Então, estendi a mão.
O corte foi rápido, mas a dor queimou como fogo.
Senti o sangue quente escorrer pela palma.
O sacerdote posicionou minha mão sobre a taça e deixou meu sangue se misturar ao dele.
A taça foi erguida com as duas mãos.
Girou levemente no ar.
E então, com um movimento cerimonial, o sacerdote derramou o líquido vermelho espesso sobre a página em branco do livro.
O couro absorveu o sangue lentamente.
A página manchada agora carregava o que nos unia:
Dor. Decisão. Renúncia.
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O sacerdote pegou uma pena.
Mergulhou na tinta vermelha.
E escreveu:
AURORA DE NAVARRO
18 de Maio
União selada por sangue. Inviolável. Intocável. Pertença eterna.
Depois, voltou-se para os presentes.
— Quem tocar nela sem permissão... morre.
Todos fizeram um leve aceno de cabeça.
E então… silêncio.
A cerimônia havia terminado.
Eu era oficialmente esposa de Elías Navarro.
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Ele apertou minha mão ainda sangrando.
Um leve tremor percorreu o toque.
— Agora ninguém mais pode te tomar de mim, nena.
Eu queria sentir alívio.
Mas o que senti… foi um vazio estranho. Um calor no peito. Uma confusão.
Porque, pela primeira vez, eu pertencia a alguém.
Não porque fui comprada.
Mas porque fui marcada.
E não há nada mais definitivo do que isso no mundo que agora é o meu.
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