Narrado por Elías
O som do chuveiro preencheu o silêncio do quarto.
Meus olhos se abriram devagar, treinados para acordar em alerta mesmo quando o corpo implorava por mais alguns minutos de descanso.
Ela já estava de pé.
Não havia hesitação nos movimentos do banheiro. Apenas firmeza e silêncio.
O tipo de silêncio que vem depois da entrega.
Ou da rendição. . .
Me sentei na cama, os pés no chão frio.
Olhei para o lençol amassado ao meu lado. . . . .
Lá estava ele.
Marcado.
Testemunha muda da noite anterior.
A máfia pode não acreditar em palavras.
Mas ela acredita em sangue.
E agora, eu tinha o suficiente para calar todos.
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Levantei devagar, sem pressa.
Me aproximei da cama e puxei o lençol com cuidado, preservando a área manchada. Dobrei com precisão cirúrgica, cada dobra medida, cada linha alinhada.
A cor escura contrastava com o branco puro.
Ela sangrou.
E isso, para eles, significava posse.
Para mim, significava blindagem.
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Saí do quarto antes que o som do chuveiro cessasse.
Carmen estava no corredor.
— A caixa? — perguntei, sem rodeios.
Ela não fez perguntas. Apenas me entregou a caixa de madeira escura com o brasão da minha família entalhado na tampa.
Fiz questão de guardar o lençol com minhas próprias mãos.
Fechei.
Tranquei.
— Prepare meu banho no quarto principal.
— Sim, senhor.
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Dez minutos depois, a água morna escorria pelas minhas costas.
Fechei os olhos por um instante.
Havia algo ritualístico em lavar o corpo após uma noite como aquela.
Não por culpa.
Mas por foco.
Porque agora que a consumação foi feita, o próximo movimento era político.
O Conselho exigia prova.
E eu…
gostava de entregar mais do que esperam.
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Me vesti com calma.
Terno escuro. Camisa branca impecável. Relógio dourado. Nenhuma arma visível — não seria necessário.
Hoje eu não precisava me impor pela força.
Hoje, bastava presença.
Desci as escadas com a caixa nas mãos.
Javier já me esperava na porta com o carro pronto.
— Direto para o salão do Conselho — avisei.
— Sim, senhor.
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O caminho até a base da máfia cortava o deserto como uma cicatriz esquecida. Estradas secas, pedras ao redor, sol já alto no céu. Mas dentro do carro, o ar era controlado. Frio. Quase clínico.
Ninguém falou.
Nem precisava.
Todos sabiam para onde eu ia.
E o que eu levava.
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Os portões se abriram sem anúncio.
A sede do Conselho da máfia mexicana era um casarão antigo, de pedras escuras e vitrais protegidos por grades de ferro.
Ali, o tempo não passava.
Só se acumulava.
Javier abriu a porta para mim.
Peguei a caixa com as duas mãos e caminhei sem pressa até o salão principal.
Os conselheiros já me esperavam.
Aurelio. Horácio. Severiano. Todos de pé.
Nenhum ousou se sentar antes de mim.
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Caminhei até a ponta da mesa.
Coloquei a caixa sobre a superfície de madeira rústica.
E abri.
Com um gesto calmo, tirei o lençol.
Desdobrei apenas o suficiente para expor a marca.
Vermelha, central, cravada na pureza do algodão.
Os olhos deles se fixaram como abutres em carne aberta.
Esperei alguns segundos.
E então falei:
— O pacto foi consumado.
Silêncio.
— Aurora é minha esposa.
No sangue.
No corpo.
No nome.
Ninguém respondeu.
Caminhei para o centro da sala.
— A partir de hoje, qualquer homem que se referir a ela de forma desrespeitosa…
Qualquer um que ousar sugerir que ela é uma moeda de poder…
Qualquer um que encostar nela…
Parei.
Olhei um por um.
— Vai morrer.
De forma lenta.
E pessoal.
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Aurelio limpou a garganta.
— A consumação… confirma a união. E protege sua posição, Navarro.
Parabéns.
— Eu não quero parabéns.
Quero silêncio.
Severiano assentiu.
— O Conselho reconhece a consumação. A mulher é intocável.
Fechei a caixa.
Peguei novamente.
— Não vim pedir permissão.
Vim informar.
Para que não haja dúvidas.
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Deixei o salão do mesmo jeito que entrei:
em silêncio.
em pé.
no controle.
Aurora agora era, oficialmente, minha esposa.
Não apenas no papel.
Mas diante do sistema que rege o submundo.
E Dante, o próximo a mexer no tabuleiro…
vai saber exatamente o que perdeu.
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