Aurora
Eu queria gritar.
Queria bater nas paredes, socar o chão, arrancar os cabelos.
Mas tudo que fiz foi caminhar em círculos no quarto por duas horas, sem saber se estava tremendo de raiva, de medo ou de pura impotência.
Ele quer se casar comigo.
Casar.
Com um homem que me mantém trancada, que decidiu por mim desde o momento em que fui encontrada sangrando no mato. Com um mafioso que me protege como se eu fosse um troféu, mas que nunca me deu uma escolha real.
E, pior de tudo, com alguém que está disposto a derramar sangue por mim.
Um pacto de sangue.
Eu nem sabia que essas coisas existiam de verdade. Achava que era lenda. Algo de filme. Mas Carmen confirmou. Séria. Dura. Como sempre.
— Você vai mesmo deixar isso acontecer? — perguntei a ela.
Estávamos no corredor lateral, onde poucas pessoas passavam.
Carmen me encarou com aqueles olhos de gelo.
— Não se trata de deixar. Se trata de sobreviver.
— Você acha certo?
Ela suspirou. Olhou em volta, como se alguém pudesse ouvir.
— Certo e errado são palavras que deixamos de usar neste lugar, Aurora. Aqui só existe uma coisa: segurança. E você só vai tê-la se pertencer a alguém mais poderoso do que quem te persegue.
— Então você concorda com isso?
Ela hesitou.
— Eu acho... que é melhor do que acabar nas mãos do Dante Vitale.
O nome dele me fez estremecer.
Dante. O homem que destruiu a minha família. O mesmo que comprou meu nome em um leilão como se eu fosse uma mercadoria. O mesmo que agora... quer me tomar à força.
E, segundo Elías, ele já está vindo.
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Voltei para o quarto e fiquei na janela por longos minutos. O jardim lá fora parecia tranquilo, mas havia homens vigiando em cada canto. De terno escuro, armas sob os casacos, olhos atentos.
A casa estava diferente desde o ataque. Mais silenciosa. Mais tensa.
E agora, mais ocupada.
Vi criados levando vasos de prata para o salão principal. Outros com tecidos vermelhos. Um grupo trouxe um jarro com líquido escuro — vinho ou talvez… algo mais.
Estavam preparando o ritual.
Meu casamento.
Engoli em seco.
Cada passo que eles davam parecia um aviso:
Ou você aceita…
Ou vai morrer tentando escapar.
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No fim da tarde, Carmen bateu na porta.
— Ele mandou isso.
Me entregou um vestido.
Branco. De manga longa. Com detalhes vermelhos nos punhos e na barra.
Era bonito.
Mas pesado. Literalmente e simbolicamente.
— Ele quer que eu use isso? — perguntei, sem conseguir esconder o desprezo.
— Não é um pedido.
— Isso é um pacto, não um casamento.
— É os dois. No mundo de Elías, casamento é um juramento de posse. O sangue sela. E quando for selado… nenhum homem pode te tocar.
— Nem Dante?
— Nem Dante. Nem ninguém.
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Fiquei sozinha por uma hora.
Olhei para o vestido.
Olhei para minhas mãos.
Olhei para minha alma… ou o que restava dela.
Eu podia fugir.
Podia dizer não.
Podia correr pelos corredores gritando que era livre.
Mas seria mentira.
Porque a liberdade não existe para mulheres como eu.
Fui vendida. Perseguida. Caçada. Protegida... mas não por bondade. Por desejo. Por posse.
A única diferença é que, com Elías, eu ainda respiro.
E talvez…
Só talvez…
Aqui, eu não precise morrer para continuar viva.
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Quando vesti o traje, senti o tecido abraçar meu corpo com a frieza de um cárcere.
Carmen entrou para me ajudar. Não sorriu. Não me desejou felicidade. Apenas fechou os botões e ajeitou meus cabelos.
— Está pronta?
— Nunca estive.
— Então está no caminho certo.
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Ao sair do quarto, os corredores estavam iluminados por velas. O som grave de tambores soava distante, vindo do salão principal.
Cada passo que eu dava era uma despedida.
Da Aurora que eu fui.
Da filha que sonhava em voltar pra casa.
Da mulher que acreditava que amor salvava.
Na porta do salão, Elías me esperava.
Na cadeira de rodas. Com um terno escuro. E uma adaga de prata sobre o colo.
Ele não sorriu.
Apenas estendeu a mão.
E eu a peguei.
Porque naquele momento, eu entendi.
Entre dois monstros, escolhi aquele que me fez sentir medo… mas nunca tocou em mim sem permissão.
E isso, no meu novo mundo, era o mais próximo de amor que eu podia esperar.
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