Narrado por Elías
A base estava silenciosa quando cheguei.
O som dos meus passos ecoando pelos corredores frios era mais do que uma simples indicação de presença — era um aviso. O Don voltou. E voltou andando.
Os olhares que me seguiram foram uma mistura de choque e reverência. A maioria deles me viu ser empurrado por aqueles corredores durante meses, preso à maldita cadeira que parecia uma sentença. Agora, eu estava em pé, firme, com a postura erguida, e uma aura de autoridade que parecia ainda mais sólida que antes.
Entrei na sala de reuniões sem dizer uma palavra. A madeira escura da mesa central brilhava sob a luz direta do teto, refletindo parte do meu rosto endurecido. Diego, Alonso, Murillo e Esquivel já estavam sentados, esperando. Meus homens mais antigos. Meus olhos e mãos fora dessas paredes.
Todos se levantaram ao me ver. Era o costume. Mas hoje, talvez, fosse mais do que isso.
Me sentei na ponta da mesa, o lugar que sempre foi meu. Cruzei os dedos sobre a superfície fria. Olhei para cada um deles com calma. Eles sabiam que se eu estava ali, era por algo importante. E perigoso.
— Tenho uma missão pra vocês — disse, com voz firme. — Uma missão que exige precisão. Paciência. E nenhum erro.
Murillo inclinou-se para frente. Diego ajeitou a arma no coldre. Alonso permaneceu estático. Esquivel cruzou os braços.
— Aurora me pediu algo. Pela primeira vez desde que chegou aqui. E eu aceitei.
Uma breve troca de olhares. Eles sabiam que eu não era de me mover por apelos sentimentais. Sabiam que, se atendi a um pedido, é porque algo mais profundo estava envolvido.
— Quero que tragam a família dela. A mãe, a irmã e... o pai.
Coloquei um envelope grosso sobre a mesa.
— Aqui dentro tem nomes, fotos, últimos endereços e algumas rotas possíveis. Carmen cruzou com o que a Aurora conseguiu lembrar. Vocês vão até a cidade onde viviam antes da falência. Discretamente.
Alonso foi o primeiro a abrir o envelope. Espalhou o conteúdo sobre a mesa. Fotos de rosto, um boletim escolar antigo da irmã, contas vencidas da casa da mãe.
— Isso é uma extração? — perguntou Diego.
— Não. É uma transferência de proteção. Vocês vão entrar, identificar, observar por algumas horas e, então, agir. Quero discrição. Quero elegância. E quero eficiência. Eles não vão entender de primeira o que está acontecendo, então preparem-se para resistência emocional.
— E se alguém reagir fisicamente?
— Neutralizem. Sem marcas. Sem violência. Isso não é guerra. Ainda não.
---
Eles se entreolharam, mas estavam atentos. Eu me levantei da cadeira e caminhei em direção ao painel de armas, onde minhas glocks e fuzis estavam expostos como troféus. Peguei uma pistola pequena. Examinei-a como quem avalia um bisturi antes de uma cirurgia.
— A mãe se chama Helena. Professora aposentada. Tem histórico de hipertensão. Cuidado com ela.
— E a irmã? — perguntou Esquivel.
— Sofia. Dezessete anos. Estava no último ano do colégio. É a mais frágil psicologicamente. Segundo Aurora, vivia em estado de tensão desde que a dívida da família virou ameaça.
— E o pai? — murmurou Alonso, sem nem olhar para mim.
Guardei a arma no coldre devagar.
— O pai... é outro assunto.
Dei a volta na mesa. Me aproximei dos quatro e apoiei as mãos sobre o tampo.
— Aquele homem vendeu a filha no leilão. Não foi por acidente. Não foi sob ameaça. Ele assinou a papelada. Entregou como se fosse mercadoria.
Murillo mordeu o lábio inferior. Diego apertou os punhos. Esquivel desviou os olhos.
— Se fosse por mim, ele já estaria enterrado numa cova rasa. Mas Aurora quer ele vivo. Então ele vem. Vivo.
Pausa. O tom endureceu.
— Mas se ele tentar fugir… quebrem uma perna. Só uma. Mas que seja a certa pra ele não correr mais de mim.
---
O peso das palavras pairou no ar.
Sentei de novo, com a frieza de quem não recua do que diz.
— Vocês vão em dois carros. Um SUV preto e um sedã cinza. Troquem as placas no meio da estrada. Revezem os motoristas. Peguem rotas paralelas. Nada de GPS ligado. Apaguem os registros dos celulares. Quero rastros apagados.
— E se Dante tiver alguém vigiando? — perguntou Diego, levantando a preocupação inevitável.
— Ele vai saber. Mais cedo ou mais tarde. A essa altura, ele já deve ter entendido que ela está fora do alcance dele. Mas não pode saber onde estão os pontos fracos. Se desconfiar que os pais dela estão aqui, vai tentar agir. Por isso quero eles dentro da mansão, sob nosso teto, antes que qualquer informação vaze.
Alonso mexeu nos papéis e disse, em voz baixa:
— E se eles se recusarem a vir?
— Digam que Aurora está viva. Digam que ela está casada comigo. Se quiserem, mostrem uma carta dela. Mas não deem tempo para que pensem demais. Isso não é um convite. É uma ordem. E eles não têm o direito de recusar.
---
Me levantei novamente. A adrenalina corria pelas minhas veias como fogo líquido. Desde que voltei a andar, meu corpo parecia pulsar com um tipo novo de vigor. Eu não era mais apenas o cérebro da máfia. Eu era corpo. Voz. Dom.
— Isso precisa ser feito com perfeição. Nenhum arranhão. Nenhum desvio. Nenhum ruído.
Apontei para Alonso.
— Você lidera. Se algo sair errado, é você quem me dá explicações.
Ele assentiu, firme.
— Diego, monitore o trânsito policial. Tenha um plano de fuga. Um helicóptero em standby a 10km do perímetro.
— Já está feito.
— Murillo, você cuida da parte emocional. Se a irmã ou a mãe tiverem uma crise, é você quem fala. Você tem jeito.
Ele sorriu de lado, um pouco orgulhoso.
— Esquivel... você é meu cão de guarda. Se o pai dela levantar a voz, você cala. Se tentar sair, você prende. E se levantar a mão pra alguém, você quebra. Entendido?
— Sim, Don.
---
Me aproximei da saída. Girei a maçaneta e parei, olhando por cima do ombro.
— A partir de agora, a família dela é minha responsabilidade.
Pausa.
— E eu não aceito que ninguém… toque no que é meu.
Saí.
Atrás de mim, a sala permaneceu em silêncio por vários segundos até que o som de ordens começou a ecoar. Homens se movendo. Armas sendo checadas. Carros sendo preparados.
A operação estava em andamento.
E eu estava de volta.
Waiting for the first comment……
Please log in to leave a comment.