Prólogo
Numa sexta-feira à noite tudo estava bem até o pior acontecer: o elevador travou.
Voltando um pouco no tempo, Jade saía da aula preparada para o trajeto de volta para casa. Por força do hábito, buscava dar preferência às escadas, evitando o elevador mediante um receio que julgava ser bobo, porém... e se ele travasse e ela ficasse presa? Pior, e se caísse?
Ocorreu que dessa vez Jade havia esquecido um livro na sala de aula. Tentou voltar para buscá-lo antes de perder o horário, o que, no fim, não a impediu do infortúnio.
Já na sala, encontrou o material exatamente aonde a havia deixado, e, ainda, antes de a moça da limpeza passar por ela.
Ao entrar no elevador, ouviu um ruído estranho no momento em que ele se fechou. Pensou que fosse paranoia sua, mas no momento seguinte houve uma queda de energia. A primeira reação de Jade foi soltar um grito que nem viu escapar; em seguida, instaurou-se nela uma crise de pânico enquanto tentava racionalizar a situação.
Sim, a cabine possuía aberturas para ventilação e um botão de alarme para informar ao porteiro o ocorrido, que não foi útil, pois este estava ausente do posto no momento da tragédia.
Então esse era o caso. Jade estava presa e começava a ter uma taquicardia. Contudo, ao menos tinha bateria suficiente no seu celular para acender a lanterna. Aproveitou para avisar à mãe que não chegaria no horário habitual.
O apagão durou menos de cinco minutos, mas não era assim que Jade enxergava a situação. Para ela, era bem provável que já estivesse no escuro há pelo menos o dobro desse tempo. Conferiu mais uma vez o horário na tela do celular e percebeu que os seus cálculos não fechavam. Suspirou.
Passou a mão na testa para secar o suor e retirou a blusa fina de manga comprida que usava por cima da regata colada ao corpo. Guardou a peça na mochila e secou o conteúdo restante da sua garrafa de água.
Jade tentou usar novamente o alarme e dessa vez teve a sorte de ser atendida por uma equipe de bombeiros, que já havia sido acionada por uma das moças da limpeza. Jade queria dar um prêmio para ela. Anotou seu nome mentalmente para comprar-lhe um chocolate como agradecimento.
Realmente, não passou de cinco minutos o tempo total de apagão.
Jade teria que pegar o próximo metrô e pernoitar na própria estação, para que assim ela pudesse pegar o primeiro ônibus de saída pela manhã. Foi em direção ao banheiro no intuito de se preparar para a jornada. Sentiu-se renovada após limpar-se, na medida do possível, embora ansiosa e impaciente, pensando no que se seguiria naquela — longa — noite. Concluiu passando uma bruma vitamínica no rosto, desodorante corporal, e vestiu outra blusa de manga comprida que encontrou esquecida no seu armário da faculdade, estando essa limpa. Pensou que assim estava bom o suficiente para ela não parecer uma pessoa em situação de rua.
De fato, ainda bem que ela fez esse pequeno ritual de higiene, pois naquele instante apareceu alguém que mudaria tudo no mundo de Jade.
“Oi.” A menina de cabelo loiro tingido num tom propositalmente não tão platinado disse ao entrar no recinto. Cumprimentou Jade por educação, considerando-se que já era por volta de vinte e três horas, e elas seriam provavelmente as únicas alunas restantes no prédio.
Jade parou de se mover por um breve instante, se perguntando o porquê de aquela aluna ainda estar ali.
“Oi.” Respondeu apenas. Hesitava entre se retirar do banheiro ou não.
A desconhecida saiu da cabine individual e parou em frente ao espelho, na pia ao lado da que Jade ocupava. Na realidade, Jade já não fazia mais nada, apenas a observava.
A menina sorriu, Jade viu pelo reflexo do espelho. Algo mudou em Jade naquele momento, como se tivesse sido virada uma chave no seu destino.
“Você estava na última aula?” A menina loira perguntou enquanto secava as mãos.
“Sim.” Jade respondeu um pouco distante, em meio a um conflito interno.
“Eu também, aí tive que ficar um pouco mais para adiantar um projeto. Eu faço Design gráfico, e você?”
“Gastronomia...”
“Que legal!” A garota loira vibrou em assonância.
Jade só pensava no quanto o estilo da garota realmente combinava com o curso; ela era toda moderna e fashion, dentro das tendências, mas ainda esbanjava a sua personalidade própria. Algo bem característico de designers, Jade pensou.
“Você tá indo embora agora?” Tentou sondar alguma possibilidade.
“Sim. Ainda bem que o trânsito não é tão caótico a essa hora, e eu moro perto.” A loira respondeu, visivelmente cansada. “Desculpa, eu nem lembrei de me apresentar. Me chamo Yolanda!”
Yolanda, que nome lindo.
“Meu nome é Jade. Na verdade, eu só estou aqui porque o elevador parou e eu perdi o metrô.” Disse já sem expectativa alguma, mais como um desabafo.
“Nossa!” Havia algo na expressão de Yolanda que deixou Jade intrigada, talvez por ela se importar genuinamente com uma desconhecida como se fosse uma pessoa próxima. “Se eu não tivesse que cuidar dos cachorros lá de casa com certa urgência, eu te levaria até a sua casa. Acontece que meus pais estão viajando, então sou só eu e a essa hora eles devem ter comido até o reboco da parede...”
“Tranquilo.” Jade suspirou desalentada.
“Mas... se você quiser, assim...” Yolanda hesitou, “... dormir lá em casa... eu te empresto uma roupa e peço comida pra gente", prosseguiu, reparando nas próprias olheiras refletidas no espelho, “porque to cansada demais para pensar em cozinhar.”
Jade pôde sentir uma nota de exaustão na última parte da frase.
Levou alguns instantes para analisar expressão facial de Yolanda, tentando definir se ela estaria a dizer isso apenas por educação, ou se realmente esperava que ela aceitasse.
“Ok! Muuuito obrigada mesmo, Yolanda. De verdade, você não sabe o favor que me faz!”
“Tranquilo.”
“Eu juro que me ofereceria para preparar algo na cozinha em agradecimento, mas também estou destruída...” Jade interpelou, sentindo-se constrangida com toda a situação.
“Tudo bem, Jade, em outro momento posso te convidar para isso, aí eu vou saber se você vai ser uma boa chef ou não.”
As duas foram direto ao estacionamento, entraram no carro e logo partiram. Jade não parava de mexer nos nós dos dedos ao longo do trajeto, pensando se aquilo não seria um incômodo para a garota que acabara de conhecer, mas afastou o pensamento focando na felicidade de poder ir para um local quentinho e seguro.