Apresentação
Tatu narrando:
Sou o grande Tatu.
Quem comanda o Morro da Cidade de Deus sou eu.
Aqui, se vacilar, cai. Eu comando de braço firme. Nada passa batido, mas tudo pode ser cobrado.
Agora mesmo, tô aqui em cima da laje, olhando tudo lá embaixo. Eu amo isso aqui. Essa vista é minha. Esse morro é meu.
Depois do meu avô, passou pro meu pai. Agora é meu.
Sou o chefe do Comando Vermelho e dono do morro do CDD.
Me respeitam porque sabem quem eu sou. Temem porque sabem o que eu faço.
Tenho 26 anos. Sou alto, forte, cabelo preto sempre na régua. Tatuagem espalhada no corpo todo, cada uma com uma história.
Não tenho fiel, nem pretendo ter. Mulher só dá dor de cabeça. É só p*****a mesmo — sem laço, sem cobrança, sem complicação.
O dia começa cedo aqui no CDD. Sol nem levantou direito e já tem movimento na boca. Olho lá de cima, na laje, com um café preto na mão e a pistola na cintura. Tudo calmo por enquanto, mas a calma aqui é traiçoeira.
Gibi chega como sempre — discreto, mas atento. Meu braço direito. O sub do morro. Se eu cair, é ele que segura tudo até eu voltar. Cresceu comigo, já tomou tiro por mim. Confiável.
— E aí, Gibi — falo, sem tirar o olho do beco da entrada.
— Tranquilo, chefe. A boca da Rocinha tentou mandar um foguete ontem, mas a gente derrubou no meio do caminho.
— Quem?
— Uns menorzinhos novo… Teste, tá ligado.
— Esses filha da p**a tão achando que aqui é bagunça?
Ele não responde. Não precisa. Só faz que sim com a cabeça.
— Manda fechar a entrada de baixo. Quero dois na laje e mais dois no beco da quadra. Qualquer passo em falso, atira.
Gibi anota mentalmente. Não precisa de papel. Esse é dos meus.
— E o gerente da boca?
— Jajá chega. Tá com o dinheiro da semana.
— Que não venha com papo furado. Se faltar um real, vai descer enrolado no lençol.
Aqui no CDD é assim: respeito é tudo. E o medo, às vezes, ajuda a manter a ordem.
A gente ainda tava trocando ideia sobre a movimentação da boca quando Gibi olha pro portão de ferro lá embaixo e fala:
— Chefe… tem um noiado aí querendo trocar ideia contigo. Disse que é sobre uma dívida.
— Manda subir — respondo sem muito interesse, mas curioso.
Minutos depois, sobe um moleque magrelo, olhar assustado, roupa suja, tremendo mais que vara verde. Chega perto, tira o boné e encara o chão. Eu fico só observando, de braço cruzado.
— Solta o papo, menor — falo seco, encarando ele.
— Eu tô com umas dívida, chefe… pesada. Não tenho como pagar. Mas eu… eu tenho alguém pra te entregar. É minha irmã. Ela é nova, nunca namorou.
Levanto a sobrancelha, já meio impaciente.
— Que p***a é essa? Tu acha que eu quero pagar dívida com mulher, p***a? Eu quero dinheiro, cê tá me ouvindo?
— Mas ela é diferente, chefe. Bonita. Eu juro que cê vai gostar dela. É limpa, certinha…
Olho pra Gibi. Ele já tá desconfiado. Dá um passo à frente, olhando firme pro moleque.
— Tu tá falando de quem, p***a? Da Patrícia? É isso, c*****o?
O noiado trava. Não responde. O silêncio entrega tudo. Gibi me olha. Eu fecho a cara.
Patrícia. O nome bate como soco no estômago. Eu conheço de vista. Já vi ela de longe. Uma vez, na padaria daqui toda certinha, de blusa fechada e livro na mão. Olhar firme. Jeito de quem não se dobra pra qualquer um.
— Tu tem noção do que tá fazendo, menor? Tá jogando tua própria irmã na boca do lobo.
O moleque só abaixa a cabeça.
Gibi me encara, esperando meu comando. Eu fico em silêncio por uns segundos. Tempo o bastante pra saber que alguma coisa nessa história ainda vai virar minha cabeça.