Henrico - Redeção

Briana Desde pequena aprendi a lidar com a rejeição, com o leve desconforto que a solidão trás, mas também com o alívio de um novo dia.  Nem sempre meus dias foram escuros, eu sei que em algum momento eu vi as cores, eu me guiei somente pela visão e pela luz. Mas as vezes tudo que é bom tem que acabar em algum momento. Não são todos que são privilegiados com o sabor doce da sorte.  Lutei sozinha contra meus próprios medos, naveguei sozinha no mar das incertezas e me tornei forte e decidida.  Eu sei que deve haver alguma cura para sabe-se lá o que usurpou minha visão, mas não tenho verba pra isso. Cheguei a conclusão que a vida e seus benefícios tem um preço, e cada um é fadado a pagar, e caso não tenha condições, você acaba deteriorando aos poucos, como um livro antigo em uma estante cheia de traças.  Mas … não posso dizer que não tenho sorte. A madre responsável pelo orfanato em que estou desde os meus oito anos me acolheu como filha, e sempre que fui rejeitada pela minha condição tive um colo para chorar, para esbravejar e questionar as vontades de Deus, totalmente sem julgamento. Sei que meus pais já se foram a algum tempo, e como eu disse, a vida tem um preço, preço esse que não puderam pagar.  Aprendi a descer as escadas, a reconhecer as pessoas e cômodo pelo cheiro e meus ouvidos são melhores que muitos por aí. Tem uma voz em especial que vem às vezes aqui, um homem. Ele parece ser bem mais velho que eu mas há algo nele que me atrai muito. O cheiro dele é incrível, diga-se de passagem.  As meninas me falaram que ele não é um homem bonito e nem atraente, dizem elas que ele tem cara de m*l humorado, mas nunca se julga um livro pela capa.  Há duas semanas recebi um presente, a madre me entregou. Era um livro incrível que deixa claro que o  ‘’essencial é invisível aos olhos’’. Confesso que isso me tocou muito, mas por mais que eu insista, a madre se recusa a dizer quem me enviou. Fiquei tão feliz em poder ler algo, geralmente são poucos os livros que são escritos em braile, mas acredito que esse foi feito especialmente pra mim.  Ao contrário das meninas eu tenho um quarto separado, é pequeno, mas suficiente para que eu conheça cada detalhe dele, cada espaço. Tenho uma pequena estante onde guardo os poucos livros que posso ler e algumas outras coisas. Tem uma pasta também com a minha documentação, mas nessa eu nem mexo porque é um papel comum.  Deitei minha cabeça mais uma vez no travesseiro, tentando imaginar quem me deu esse presente. A algazarra no quarto ao lado me tira o sono, de certa forma já me acostumei com esse tipo de "incômodo" mas convenhamos que essas meninas riem alto demais. O principal assunto delas é homens. Não as julgo, são adolescentes assim como eu e também querem namorar e descobrir os prazeres da vida.  Ouvi uma batida na porta e até já imagino quem seja.  _ Brii, abre logo! Mariana vive me convidando pra pular o muro e ir conhecer a cidade, mas não tenho interesse algum, e também as vezes sinto que ela esquece que sou cega, capaz dessa doida me deixar na rua sozinha e ir se engraçar com algum homem mais velho por ai.  Levantei suspirando e abri a porta. Ouvi quando ela se jogou na minha cama, que já não é muito nova.  _ Mari, nem pensar! _ Poxa Bri, só hoje.. as meninas vão ir e eu queria minha amiga junto comigo.  _ Mariana, você arrisca demais seguindo elas, deveria ficar aqui, é mais seguro. _ Claro que não, tem tanta coisa pra se ver lá fora, óbvio que eu vou ir. Você deveria ir, aposto que deve ter algum homem doido pra realizar algum *feitiche com mulher cega. Não aguentei e tive que rir, Mariana tem umas ideias fora da realidade, na verdade acho que ela não vive nesse mundo. _ Olha amiga, sinceramente prefiro ficar aqui no meu quarto, é melhor.  Falei enquanto voltava pra cama. _ Ainda não descobriu quem te deu o livro ? Perguntou ela perambulando pelo pequeno quadrado que é meu quarto.  _ Não, ainda não. A madre não quis me dizer.. _ Bom, eu tenho um palpite… Me sentei na cama, atenta nas palavras que ela iria me dizer. _ … tem um cara que vem aqui às vezes. Já ouvi ele perguntando sobre você. Não quis te falar antes porque … sabe, eu amo você, é minha melhor amiga, não quero que crie expectativas.. _ Mari, vou ficar bem. Me diga, qual é o nome dele ? Perguntei esperançosa e ansiosa. Entendo que ela queira me proteger, mas se for o homem daquela voz maravilhosa, certamente vou querer conhecer ou somente saber o nome.  _ Bom, acho que o nome dele é Alessandro, mas não tenho certeza.  _ Descobre pra mim? Ele vem aqui às vezes mas nem sempre eu consigo ouvir a voz dele. _ Claro amiga, bom, já que você quer ficar aí sonhando com o Alessandro, eu vou pular o muro e beijar algumas bocas por aí. Mari saiu rindo, ela não tem nada de juízo e ainda esse ano completa os dezoito anos. Espero que ela consiga se dar bem na vida,porque ela é muito ambiciosa e sonhadora.  Deitei minha cabeça no meu travesseiro meio duro e fiquei imaginando, como será que é esse Alessandro ? Deixei minha imaginação voar, afinal todos temos o direito de sonhar, até mesmo com aquilo que nunca veremos.