📖 Capítulo 1 – A Cidade Sem Saída
O sol se punha devagar no horizonte de uma cidade esquecida pelo tempo, no interior do Brasil. As ruas de terra vermelha levantavam poeira a cada passo apressado de quem queria chegar em casa antes da noite cair. Era como se a escuridão trouxesse mais do que apenas silêncio — ela trazia medo, lembranças e dor. Cassie sabia disso melhor do que ninguém.
A garota de cabelos castanhos e longos andava devagar pelas ruas estreitas, os olhos fixos no céu alaranjado, tentando encontrar ali uma esperança. Todos os dias, no mesmo horário, ela subia até um morro pequeno perto da casa onde vivia com o pai e se sentava ali, abraçando os joelhos, observando o horizonte. Era o seu refúgio. O único lugar onde o mundo parecia grande o suficiente para sonhar.
Desde que a mãe falecera, quando Cassie tinha apenas treze anos, sua vida havia se tornado uma prisão. Seu pai, outrora carinhoso e protetor, afundara-se na bebida. E com cada dose engolida, ele se tornava mais c***l. Era como se cada copo esvaziasse o que restava de amor em seu coração. Os gritos começaram. Depois os empurrões. E logo vieram os socos.
Naquela noite, Cassie voltava para casa com o estômago vazio e os olhos marejados. Havia ajudado a senhora da venda da esquina a organizar mercadorias por algumas moedas, que usaria para comprar pão para si e para o pai. Mas ela sabia que ele não comeria. Tudo o que ele queria era outra garrafa.
Ao empurrar o portão velho de madeira, a casa parecia mais sombria que o normal. Silêncio. Mas um silêncio tenso, carregado. Cassie sentiu um arrepio percorrer a espinha. Entrou devagar, com o pão nas mãos. O pai estava sentado à mesa, a garrafa quase vazia ao lado, os olhos vermelhos e fixos nela como uma fera prestes a atacar.
— Onde você estava? — ele perguntou, a voz arrastada.
— Eu... eu fui trabalhar na venda da dona Zuleide. Trouxe pão. — ela respondeu, a voz baixa, tentando soar firme.
Mas não adiantava. A tempestade já se formava no olhar dele. Com um gesto brusco, ele se levantou e a mão pesada acertou o rosto da filha. Cassie caiu no chão, a sacola se rasgou e os pães rolaram pelo chão empoeirado. Lágrimas brotaram dos olhos dela, não pela dor física, mas pela repetição daquilo. Pela certeza de que nunca mudaria.
Aquela noite foi o ponto final.
Com o rosto machucado e o coração despedaçado, Cassie esperou que o pai dormisse. Recolheu o pouco dinheiro que havia escondido no fundo da gaveta da mãe, um amuleto antigo e um colar que pertencia à mulher que lhe dera a vida. Colocou tudo numa mochila pequena e saiu pela porta dos fundos, sem olhar para trás.
Ela não sabia para onde ir, só sabia que precisava fugir. Andou até a rodoviária, onde comprou a passagem mais barata que conseguiu: para a capital do estado. De lá, encontrou abrigo em um albergue, e depois foi levada a uma ONG que ajudava jovens em situação de vulnerabilidade. Com sua inteligência, habilidade com idiomas e paixão por dança, conseguiu um intercâmbio social para estudar fora do país. Escolheu a Coreia do Sul sem hesitar. Um país distante, diferente, onde ninguém a conheceria, onde poderia começar de novo. Onde talvez existisse algo... além do horizonte.
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Dois anos depois...
Cassie agora vivia em Seul, em um bairro nobre. A vida não era fácil, mas era dela. Ela trabalhava como ajudante na casa de uma mulher elegante chamada Hannah Jung — uma empresária exigente, mas justa. Cassie limpava, ajudava na cozinha e fazia pequenas tarefas pela casa. E como a própria Hannah dizia, “você tem algo especial, menina. Vai longe.”
A convivência era tranquila... até o filho de Hannah voltar para casa.
Jung Hoseok.
Estudante de artes performáticas, Hoseok era bonito, talentoso, confiante — e completamente arrogante. Desde o primeiro dia em que viu Cassie, tratou-a com desdém. Fazia piadas, a ignorava, às vezes mandava nela como se fosse um capataz. Na universidade, fingia que não a conhecia. Quando eram obrigados a dividir o mesmo ambiente em casa, o clima era gelado.
Cassie não entendia o motivo. Ela só queria paz. Mas Hoseok parecia querer provocá-la sempre.
Só que o que Cassie não sabia... era que o olhar de Hoseok escondia mais do que desprezo. Ele escondia perguntas. Medo. E, aos poucos, curiosidade.
E Hoseok também não sabia... que a garota que ele desprezava carregava cicatrizes muito mais profundas do que qualquer palavra poderia atingir.