Capítulo 1: A Ocasião Faz o Homem (Sêneca)
A comunidade de Vinte Léguas estava em polvorosa com os rumores da chegada de Capitão, o manda-chuva do movimento das comunidades próximas. Martiniel, nos seus 17 anos, admirava Capitão e queria ser como ele, pela sua fama e o temor que tinham dele nas comunidades. Certa tarde, Martiniel resolveu ficar nas vielas da comunidade aguardando a passagem do seu ídolo. Um jovem, da mesma idade que a dele, passa e o reconhece. Se aproxima de Martiniel, intrigado.
- Chega aí, Zaroio! - diz Martiniel, estendendo a mão para um cumprimento rápido. O amigo de Martiniel é chamado de Zaroio por ser vesgo. Zaroio se aproxima, cauteloso.
- Martiniel, cê sabe que não é bom a gente ficar de bobeira nesses cantos, não? - avisa Zaroio, olhando para os lados, desconfiado. Martiniel apenas sorri, despreocopado. Passam um tempo olhando a movimentação das pessoas.
- Sabe quem vem aqui? - pergunta Martiniel. reservado.
- Todo mundo sabe, Martiniel! - retruca Zaroio, aborrecido.
- E então? - pergunta Martiniel, voltando-se para ele, desafiador.
- E então o quê? - Zaroio olha para ele sem entender nada.
- Vou pedir um trampo para o Capitão quando ele passar por aqui! - responde Martiniel, naturalmente.
- Cê sabe o que está falando? - Zaroio arregala os olhos, perplexo.
- Não tenho outra saída! - retruca Martiniel, resignado.
- Nada disso! Sempre há uma saída! Cê se lembra de Cabide? - indaga Zaroio.
- Sim, me lembro dele, sim! Que se deu ele? - pergunta Martiniel, sem dar importância.
- Ele saiu daqui e achou trampo na capital! - responde Zaroio, animado. Martiniel mostrava-se desinteressado.
- Ah, é um caso em um milhão! - respondeu Martiniel, olhando cansado para o amigo. Zaroio, olha para ele incrédulo.
- Pode acontecer com qualquer um! É só querer! - insiste Zaroio. Martiniel dá de ombros. Já tinha tomado sua decisão.
- É muito difícil e estou na dura precisando logo de grana! - rebate Martiniel, inflexível. Um pequeno alvoroço acontece na entrada da viela. Três homens armados sobem a ruela onde Martiniel e Zaroio estavam. Martiniel pressente que é o momento. As pessoas fugiam daqueles homens, que olhavam a tudo ao redor. Se aproximam dos dois amigos. Um deles os encara, incomodado.
- Ei, pivete! Chega aí! Qual é a parada de vocês aqui? - pergunta o homem, Martiniel evita olhar diretamente no rosto do homem que o interpelava.
- Quero fazer parte do movimento! - responde Martiniel, secamente. Os três homens riem entre si. Zaroio apenas fica quieto.
- O pivete acha que tá com moral! - retruca um dos homens, o que estava mais longe.
- Não é isso? - completa o outro. Então o homem que interrrogava Martiniel se aproxima mais dele, encarando-o até encabulá-lo.
- Como vou saber se tu não é X9? - pergunta ele, dando um empurrão em Martiniel. Zaroio se assusta.
- Não! Sou não! - responde Martiniel, impassível.
- Tu já não é de outro movimento, não? - insiste o homem, dando outro empurrão em Martiniel.
- Não! Não faço parte de movimento nenhum! - responde Martiniel, desafiador. O homem que o interrogava olha para os outros dois.
- Tu vai ficar comigo aqui até Capitão subir! - responde ele, voltando-se para Martiniel. Os outros dois homens prosseguem na varredura. Zaroio, estático, não sabia o que fazer. Um dos homens faz sinal para aquele que estava com Martiniel e Zaroio.
- Pé-de-c***a, cé vai esperar por Capitão, é? - pergunta o homem. Pé-de-c***a tinha esse nome por ser um exímio arrombador.
- Esse pivete aqui quer falar com Capitão. Vou ficar de olho nele ou vai sobrar pra mim! - responde Pé-de-c***a, incomodado. Pé-de-c***a fita Zaroio.
- Tu veio fazer o quê por aqui, leke?
Martiniel e Zaroio se entreolham, temerosos, pois sabem que uma resposta errada sela o destino deles.
- Nada, só estava passando... - responde Zaroio, vagamente. Pé-de-c***a parece não ter gostado da resposta.
- Sei, só estava passando.. Tu não me engana não, viu pivete? Capitão vai decidir teu destino!
Zaroio engole em seco, olhando preocupado para Martiniel, que parecia olhar para o vazio. Pouco depois, uns cinco homens equipados vem subindo a ruela escoltando um homem alto, moreno. que parecia ter mais de dois metros de altura, vestindo uma calça de camuflagem militar e camisa regata branca e chinelos Havaiana. Martiniel e Zaroio, ansiosos, percebem que aquele homem não seria outro senão o famigerado Capitão. Capitão vê seu comparsa com os dois jovens e fica curioso.
- Aí, Pé-de-c***a! Qual a parada desses dois pivetes? - pergunta Capitão, secamente. Capitão e Pé-de-c***a se cumprimentam.
- Esse aqui quer entrar pro movimento! - diz Pé-de-c***a, levantando o rosto de Martiniel.
- Sei... E o outro? - pergunta Capitão. Pé-de-c***a se aproxima de Zaroio e ergue o rosto do jovem.
- Esse aqui diz que tava passando de bobeira, cê sabe, né? - responde Pé-de-c***a, desconfiado. Capitão se aproxima dois e os fita de um para o outro.
- Por que cê quer fazer parte do movimento, pivete? - pergunta Capitão, severamente. Martiniel, a princípio. teme olhar para o rosto de Capitão.
- Olha para a minha cara! - ordena Capitão. Martiniel lentamente ergue o rosto e fita Capitão.
- Pra ajudar as coisas lá em casa.. - responde Martiniel, cauteloso. Capitão então volta-se para Zaroio.
- E tu? - pergunta Capitão, olhando severamente para Zaroio. Zaroio titubeia, afinal, estava mesmo de passagem e não tinha pretensão de entrar para o movimento do Capitão.
- Eu tava passando e vi o Martiniel aí resolvi perguntar a ele o que fazia dando bobeira por aqui... - responde Zaroio, timidamente.
- Tava nada! Eles podem ser X9, Capitão! - interveio Pé-de-c***a, nervoso. Capitão olha para Pé-de-c***a, dando a entender que ele deveria ficar quieto, depois volta-se para os jovens.
- Agora que vocês nos viram não dá pra voltar como se nada tivesse acontecido... - pensa Capitão, olhando para os jovens.
- Capitão, vem movimento do pé do morro! - diz um homem que subia a ruela apressado.
- Se esse leke quer ir pro movimento, ele vai. Pé-de-c***a, leva o pivete até o barracão! - ordena Capitão.
Pé-de-c***a chega em Martiniel e o impele a segui-lo.
- Vamo, pivete! Tu acertou na loteria! - diz Pé-de-c***a, fustigando Martiniel.
- E você também vai com teu amigo! - diz Capitão para Zaroio. Ao ouvir o que Capitão determinara, Zaroio se aflige.
- Eu não quero entrar no movimento! Quero voltar pra casa! - suplica Zaroio. Capitão o fita, severo.
- Tô te dando uma chance de continuar vivo! - responde Capitão, ameaçador. Um dos que faziam a escolta de Capitão se aproxima de Zaroio, ameaçador. Martiniel seguia adiante, escoltado por Pé-de-c***a. Olha para trás e vê o amigo em apuros, mas nada pode fazer. Zaroio, contrafeito, se deixa levar pelo capanga de Capitão, sem resistir. Seguem pela ruela morro acima. Zaroio se aproxima de Martiniel.
- O que vai acontecer com nós? - pergunta Zaroio, pensativo. Martiniel olha para o amigo, preocupado.
- Não sei, espero que não dê r**m! - responde Martiniel, resignado. Depois de meia hora de caminhada pelo labirinto de ruelas da comunidade, chegam a uma casa de madeira escoltada por mais homens equipados. Capitão se adianta e pergunta algo a um dos "porteiros". Entra na casa, fazendo sinal para levarem os jovens com ele. Em uma espécie de sala com apenas um sofá, Capitão senta-se. Outros de seus homens o ladeiam.
- Traz os dois aqui! - ordena Capitão. Martiniel e Zaroio ficam de pé a uns dois metros do sofá onde Capitão estava. O que será que acontecerá com Martiniel e seu amigo Zaroio?